segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Nuno Júdice e três poemas

Biografia/bibliografia

Nuno Júdice nasceu na Mexilhoeira Grande, Algarve, em 1949. Formou-se em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa. É professor na Universidade Nova de Lisboa, onde se doutorou, em 1989, com uma tese sobre Literatura Medieval. Entre 1997 e 2004 desempenhou as funções de Conselheiro Cultural e Director do Instituto Camões, em Paris. Tem publicado estudos sobre a Teoria da Literatura e Literatura Portuguesa. É poeta e ficcionista. Publicou o primeiro livro de poesia em 1972. Recebeu os mais importantes prémios portugueses de poesia : Pen Clube, em 1985; Prémio D. Dinis da Fundação Casa de Mateus, em 1990 e da Associação Potrtuguesa de Ecritores, em 1994. Entr os seus mais recentes livros contam-se: Poesia Reunida (1967-2000); Pedro, Lembrando Inês (2001); Cartografia de Emoções (2001); O Estado dos Campos (2003); As coisas mais simples (2006); e, em prosa, A Ideia do Amor e Outros Contos (2003); O Anjo da Tempestade (2004).


Até ao fim

Mas é assim o poema: construído

palavra a palavra, e mesmo verso a verso,
até ao fim. O que não sei é
como acabá-lo; ou, até se
o poema quer acabar. Então peço-te ajuda:
puxo o teu corpo
para o meio dele, deito-o na cama
da estrofe, dispo-o de frases
e de adjectivos até te ver,
tu,
o mais nu dos pronomes. Ficamos
assim. Para trás, palavras e versos,
e tudo o que
não é preciso dizer:
eu e tu, chamando o amor
para que o poema,a acabe.



Plano
Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor
que se despeja no copo da vida, até meio, como se
o pudéssemos beber de um trago. No fundo,
como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na
boca. Pergunto onde está a transparência do
vidro, a pureza do líquido inicial, a energia
de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta
são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa
da alma suja de restos, palavras espalhadas
num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira
hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,
esperando que o tempo encha o copo até cima,
para que o possa erguer à luz do teu corpo
e veja, através dele, o teu rosto inteiro.

O Amor, dizes-me

Escuto o silêncio das palavras. O seu silêncio
suspenso dos gestos com que elas desenham
cada objecto, cada pessoa, ou as próprias ideias
que delas dependem. Por vezes, porém, as
palavras são o seu próprio silêncio. Nascem
de uma espera, de um instante de atenção, da
súbita fixidez dos olhos amados, como se
também houvesse coisas que não precisam de
palavras para existir. É o caso deste sentimento
que nasce entre um e outro ser, que apenas
se adivinha enquanto todos falam, em volta,
e que de súbito se confessa, traduzindo em
breves palavras a sua silenciosa verdade.

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